Foi que uma florzinha do campo veio para a cidade. E viu uma flor cor-de-rosa muita bonita dentro de um vaso. Toda aberta. As pétalas aveludadas e cheirosas. De longe se sentia o cheiro. Era perfume de rosa.
Aí a flor caipira, vinda da roça, desejou ser como aquela rosa cheirosa.Formosa.Vaidosa. Então falou:
-Vamos trocar? Eu fico onde você está e você fica no meu lugar de flor do mato.
A flor cheirosa respondeu:
-Vamos. Eu troco.
E fechou as pétalas para tornar a virar botão. Chamou a flor matuta e pediu a ela para entrar no vaso, no seu lugar. A flor jeca entrou.
Tinha um passarinho azul, de cabeça vermelha, que cantava na gaiola. O passarinho cantou tanto, mas tanto, que as pétalas amarelinhas da flor do mato se abriram. E a flor cheirosa, que tinha ficado botão, espreguiçou-se e tornou a abrir as pétalas.
Ela estava muito feliz porque tinha dado seu lugar à outra flor. Por isso ficou ainda mais viçosa. E muito mais cheirosa.
Outro passarinho - era um beija-flor - veio e beijou com a ponta do bico o mel das duas flores.
Foi quando a flor do mato e a flor cor-de-rosa começaram a dançar a dança das flores.É uma dança que as flores dançam, quando os pássaros cantam e quando o vento sopra nas pétalas e nas folhas. O vento também sabe dançar: é um bailarino que a gente não vê, mas ele vive dançando, cantando e rodopiando com as folhas que caem.
Quando foi um dia, a rosa cheirosa foi colhida e plantada de novo, com suas raízes e folhas, num vaso marajoara. Sabe o que é um vaso marajoara?
Bem. Agora, adivinhe para onde ela foi levada? Justamente: para a mesma janela onde a flor do mato estava. Então as duas ficaram conversando na língua das flores.
As flores contam casos de pólen, de corolas, de folhas e espinhos.
As flores sabem muitas histórias. Contam do sol - quando a terra seca e as plantas têm sede. Contam do outono - quando as folhas caem, o vento rodopia e assobia poe entre os galhos. E contam do inverno - quando tudo esfria e as árvores ficam tristes.
Mas sempre que os dias ficam bons, que a brisa passa, como agorinha mesmo está passando, as flores dançam. Como as duas estão dançando o bailado que as flores sabem dançar. É um bailado colorido, que fica perfumado quando a primavera chega. A primavera chega como a madrinha das flores. Aí as flores se abrem, as pétalas batem palmas.
Repare: quando as flores falam, a gente sente perfume.
Não era bom a gente também falar assim?
Jorge Medauar - Contos Encantados - Editora Edicon - 1985